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Filipe Gonçalves: “A Escola Pública dá mais oportunidades”

Entrevista > rádio Vizela > 11.abril’24


Filipe Gonçalves passou pela Rádio Vizela como convidado de mais uma edição do “Especial Informação” depois de ter tomado posse como diretor do Agrupamento de Escolas de S. Bento. O professor natural de Santa Eulália tem agora em mãos o desafio de liderar um projeto que é fundamental na vida de muitas crianças e jovens e, por isso, na vida de muitas famílias vizelenses.

É uma grande responsabilidade? Estamos a falar de um Agrupamento, com quase 20 anos de atividade e que tem ao seu encargo um total de 1497 alunos…

É uma responsabilidade muito grande, mas também um grande orgulho estar na Direção deste Agrupamento, que considero já minha casa, fazendo dele parte desde a sua formação. Na educação, temos o privilégio de poder contribuir para moldar a geração futura. Gosto muito de ser professor e, mesmo com os tempos conturbados que se vivem, se voltasse a atrás, voltaria a querer ser professor.

Em que momento é que percebeu que seria este o caminho? Aconteceu de forma natural?

Como professor percorri o país e, ao fim de oito anos, fiquei colocado no Agrupamento de Escolas de Infias, tendo no segundo ano, sido convidado pela Professora Rosa Maria a fazer parte da sua lista como vice-presidente. Entretanto passei para subdiretor e agora, com a sua aposentação, o caminho percorrido foi natural, embora muito refletivo. Mas penso que o mais certo. Quando gostamos do que fazemos e da casa onde estamos, temos de dar o passo em frente e assumir as responsabilidades. Espero estar à altura das expetativas.

Disse esperar estar à altura do legado da Professora Rosa Maria, “uma administração escolar assente numa visão humanista e inclusiva”. Em que medida é que essa gestão está refletida no dia a dia deste Agrupamento?

Essa vertente humanista e inclusiva foi, desde sempre, uma marca pessoal da Professora Rosa Maria. Somos uma escola de afetos, há uma proximidade muito grande com os alunos e houve também, desde sempre, a necessidade de incluir todos. A Professora Rosa Maria respondeu sim à necessidade de criar unidades de multideficiência na escola sede. É minha responsabilidade dar continuidade.

Projetos que, por vezes, são difíceis de executar…

Sem dúvida, mas são essenciais à escola. A educação não se faz sem emoção, sem contacto pessoal. Percebeu-se isso no ensino no período da pandemia e isso permite-nos saber que não seremos substituídos pela Inteligência Artificial, porque nenhuma máquina ou ecrã consegue substituir as relações humanas e é importante valorizar essa componente no ensino.

Dizia recentemente que “há escolas que são asas, onde se pretende encorajar o voo” e que a sua proposta é que este seja acompanhado de audácia, arrojo e atrevimento. Como é que se propõe a fazê-lo?

Essas palavras são de Rubem Alves – há escolas que são asas – e deram mote ao lema adotado pela Professora Rosa Maria. A minha proposta é que lhe acrescentemos audácia e sonho. Nós, professores e pais, preparamos estas novas gerações para os voos que terão de fazer, porque não podemos estar sempre a ampará-las. É importante dar-lhes capacidade de voar mas também fazê-las acreditar que o conseguem fazer. Às vezes, é preciso tomarmos decisões arriscadas, daí a necessidade da audácia. Há situações em que prevalece o comodismo, quando é necessário ir mais além. Não devemos sonhar demasiado alto, mas é importante que tenhamos sonhos, o que me deixa triste, por vezes, é falar com os alunos e sentir que eles não têm grandes expetativas, que não acreditam naquilo que podem realizar.

Como é que esse trabalho se faz na escola?

Temos de abrir horizontes e fazê-los acreditar. É importante que haja um trabalho de proximidade muito grande. É difícil estarmos atentos à individualidade, estamos a falar de um Agrupamento com cerca de 1500 alunos mas, mérito aos nossos profissionais, que estão atentos quando um aluno está com fome, e isto acontece, ou quando um aluno sai da casa de banho com lágrimas nos olhos.

De um total de 1497, 586 alunos (39%) beneficiam de Ação Social Escolar. Este número também diz muito daquele que tem de ser o papel da escola?

Ao nível da Ação Social Escolar já tivemos percentagens superiores, mas ainda assim é considerável. E não são apenas estes casos. Temos de estar atentos a muitas situações da classe média, atendendo a alterações das condições ou até por opções de vida, que podem ser questionáveis, mas que depois acabam por tornar difícil cumprir com os encargos que daí decorrem. Temos de estar atentos a essa componente que é extremamente importante, não conseguimos ter alunos atentos numa sala de aula se não tomarem o pequeno-almoço antes de chegarem à escola. Vamos detetando muitas situações. Por essa razão, a escola atribui suplementos alimentares, ajuda com cabazes em todos os períodos e disponibiliza roupa oferecida pela comunidade. Ainda assim temos sempre o receio de haver casos que nos escapem. Mas um aluno que tem um suplemento alimentar, não tem de ter receio de o utilizar, porque não é visível. Tem o seu cartão e só tem de o utilizar no bar como qualquer colega.

Como dizia há pouco, o número de situações tem vindo a estabilizar, houve uma altura em que cresceram, quando se verificou em Vizela uma crise maior no têxtil e houve mais falta de emprego. Neste momento, temos é a comunidade estrangeira, de onde surgem, por vezes, situações problemáticas.

De que forma é que estes novos tempos que somam as dificuldades económicas a alguma instabilidade social e até familiar, interferem na vida da comunidade educativa?

A família é uma componente muito importante. É a base, o pilar. Muitas das vezes, diz-se que em casa é para educar e na escola é para ensinar, mas eu acredito que os pilares estão em casa, mas que a escola não ensina só, também educa. Os alunos passam mais tempo acordados na escola do que em casa e, por isso, é extremamente importante essa nossa tarefa. Daí a importância desta ligação entre a escola e a família. A sociedade não é fácil. É muito mais difícil ser-se hoje jovem do que era no nosso tempo. Tínhamos os nossos murais que eram os parapeitos das janelas ou as paredes do pavilhão. Podíamos escrever e apagar de seguida. Agora não. Publica-se algo numa rede social e perde-se o controlo da situação. É muito difícil. São tantos os chamamentos que se apresentam como mais interessantes que a escola, que é normal eles alternarem as suas atenções. É muito complicado ser-se jovem neste momento. Mesmo. E cabe-nos a nós, mostrar-lhes a importância da escola. É uma dificuldade, embora tenhamos um conjunto muito bom de alunos que valorizam muito a escola e que percebem que é ela que vai condicionar o seu futuro. Aliás, todas as estatísticas dizem isso mesmo.

Continua a ser o maior elevador social?

Sem dúvida. São melhores salários, menor desemprego. Até os indicadores de saúde são melhores quando há mais formação. Muitas vezes sentimos num outro grupo de alunos que não existe esta valorização e que só estão à espera de chegar ao 12º ano ou aos 18 anos para abandonarem a escola, que só vêm como obrigação. Não pode ser. Todos nós, enquanto cidadãos, investimos imenso, através dos nossos impostos, na educação do país.

A instituição família também está hoje a passar por uma fase difícil?

Está. Sentimos isso. A frase “um casal tinha vários filhos” transformou-se na expressão “cada filho tem vários pais”. Há uma desestruturação do seio familiar mas também não é isso que condiciona o percurso do aluno. Temos casos de famílias estruturadas em que os alunos não valorizam a escola e temos também o contrário. melhores e outros piores.

“É imperioso promover uma educação integral dos alunos, preparando-os para uma cidadania ativa de uma sociedade em constante mudança”. As palavras são suas…

Temos de perceber que, muito provavelmente, os alunos que estão no Agrupamento, os mais novos quase de certeza, terão profissões que hoje ainda não existem. E a ideia de que vamos ter aquela profissão e vamos mantê-la toda a nossa vida ativa, é quase uma utopia. Cabe-nos dar-lhes as ferramentas que lhes permitam adaptar-se e formar-se como cidadãos. Não interessa que saibam muito sobre determinada matéria se depois não conseguirem estar em sociedade ou adaptarem-se a novas realidades, por isso, tem de ser um ensino muito mais abrangente.

A escola deve significar, em primeiro de tudo, a igualdade de oportunidades?

É o principal desígnio de uma escola pública. Não desistimos de nenhum aluno, por isso, eles também não podem desistir deles próprios. Se os outros conseguem, eles também o conseguirão.

Ao mesmo tempo, percebemos hoje que só no Agrupamento de Escolas de S. Bento há 127 alunos de nacionalidade estrangeira, o que deve colocar um sem número de desafios à direção que agora lidera?

É um desafio novo e que abrange mais de 20 nacionalidades. Mas também é uma oportunidade. Temos de apostar muito na multiculturalidade. A nossa realidade nacional não era a mesma se não os tivéssemos, eles são necessários. Primeiro ponto. Depois, o trabalho das escolas é essencial, porque quanto melhor for a sua inclusão, melhor será a nossa sociedade. Temos a professora Belmira Paiva, que tem feito um trabalho muito meritório e que se dedica quase a tempo inteiro a esta missão e o Agrupamento está preparado para os receber. Tem um manual de acolhimento traduzido em quase todas as línguas que se possam imaginar. Há umas semanas, somamos mais uma, o árabe. Além disso, existem os mentores culturais, famílias que estão cá há mais tempo e que aceitaram o desafio que lhes lançámos no sentido de ajudarem na integração de quem chega. Ajuda ter alguém que fala a mesma língua.

Tem sido possível motivar os professores a irem além da atividade curricular, uma classe que esteve grande parte do último ano em protesto, em defesa de um maior reconhecimento da profissão?

Apesar de verem muitos dos direitos postos em causa – temos injustiças muito grandes ao longo da carreira docente – nós, professores, temos sabido separar as águas. No sábado, podemos estar em Lisboa numa manifestação mas, na segunda, damos tudo na sala de aula.

Frequentar hoje a escola pública oferece o mesmo leque de oportunidade que uma escola privada?

Acredito que a escola pública dá mais oportunidades que a escola privada, porque não há seleção de entrada. Não adianta estarmos a colocar os nossos filhos numa esfera teoricamente protegida mas afastada do mundo real. A escola pública é o espelho da sociedade e é lá que aprendemos a ver que há diferenças sociais entre as pessoas, que nem todos têm as mesmas oportunidades, que há quem tenha mais dificuldades. A escola deve-nos preparar ao fim de 18 anos para a vida ativa, para enfrentarmos a sociedade real. Os nossos filhos não vão estar protegidos eternamente. Sempre fui um defensor e acredito mesmo na escola pública.

Uma das suas missões na liderança deste Agrupamento passará pela gestão do processo de requalificação da escola sede, até porque, recentemente, foi notícia o facto da obra ter sido contemplada pelo Plano de Recuperação e Resiliência…

Mais do que uma ambição, uma necessidade. Finalmente, está a andar e já se está a trabalhar em projetos, mais uma vez, a partir de um trabalho colaborativo muito grande entre o Município e a escola. Mais do que sermos ouvidos, as nossas opiniões estão a ser tidas em conta e mais do que a sua requalificação, a intervenção vai passar pela ampliação da escola, porque esta foi criada para acolher 25 turmas e, neste momento, já temos 37. Foi inaugurada em 2005, numa realidade diferente. Na altura, tínhamos duas escolas privadas no concelho, o Instituto Silva Monteiro e o Colégio Vizela. Também devido à emigração, há um aumento do número de alunos. Só num ano verificamos um aumento superior a 100 alunos. Mais importante do que o espaço são as pessoas que lá trabalham, mas é óbvio que se tivermos conforto térmico e mais espaços que nos permitam fazer trabalhos diferentes, isso também irá ter impacto na escola.

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